18/02/2010
Petróleo nas Malvinas aumenta tensão entre Argentina e Inglaterra em meio às mudanças na Geopolítica do Atlântico Sul
Lucas Kerr de Oliveira
A atual crise nas Malvinas é apenas mais um capítulo de uma longa disputa entre Argentina e Inglaterra pela posse destas ilhas de localização estratégica e com recursos petrolíferos ainda por serem mapeados.
A disputa remonta ao século XIX, quando a Inglaterra invadiu e anexou as ilhas. A Inglaterra já era a maior potência navaldo mundo e considerava as ilhas importantes como base para sua marinha de guerra, pois sua localização permitia vigiar facilmente a passagem do Atlântico para o Pacífico, entre a América do Sul e a Antártida.
A utilidade da ilha foi comprovada durante a I Guerra Mundial, quando deu grande vantagem à Royal Navy da inglaterra, na luta contra Kaiserliche Marine, a marinha imperial da Alemanha, o que ficou conhecido como "Batalha das Falklands", em dezembro de 1914.

Assim, para a Inglaterra, manter a posse das ilhas significava (e talvez ainda tenha este significado), a perspectiva futura de voltar a reivindicar territórios na Antártida quando a vigência do tratado se encerrar, e possivelmente, este continente puder vir a ser ocupado para fins econômicos.

Esta perspectiva se ampliou nos anos 1970, quando foram encontrados os primeiros indícios de petróleo na região. Entretanto, ainda eram reservas petrolíferas de difícil acesso, e o preço do barril do petróleo no iníciodos anos 1970 não passava dos US$ 2,00 ou 3,00. Duas crises do petróleo nos anos 1970 mudaram rapidamente este quadro.

A Guerra das Malvinas, em 1982, ocorreu após quase uma década de crise petrolífera mundial, quando o mundo sofrera as consequências da crise petrolífera de 1973 e voltara a sentir os duros efeitos do aumento repentino do preço do petróleo, após a crise de 1979-1980, resultante da Revolução no Irã (1979) e da subsequente eclosão da Guerra Irã-Iraque (1980). Os preços do barril tiveram um pico de mais de US$ 40,00 em 1981-1982, circundavam a faixa dos US$ 30,00/barril.


A União Européia, na época Mercado Comum Europeu, iniciou um embargo à Argentina, que incluiu tanto importação de produtos argentinos como carne e trigo, como a exportação de determinados produtos, como armas, à Argentina.
Consequências da Guerra das Malvinas e a conjuntura dos anos 1980 e 1990As consequências imediatas da guerra todos conhecemos e são sempre lembradas pela mídia: acelerou o declínio da ditadura militar na Argentina, que colapsou em seguida.

O receio de que os países da região se tornassem alvo das potências nucleares também mobilizou esforços da parte da diplomacia brasileira em favor da criação da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, visando declarar o Atlântico Sul uma zona desnuclearizada.
O principal resultado positivo da guerra foi a aproximação entre Brasil e Argentina, Com o embargo europeu aos produtos argentinos o Brasil passou a comprar grandes quantidades de carne, trigo e outros produtos produzidos por aquele país. O processo de aproximação resultou em um acordo nuclear bilateral, para fins pacíficos; passo fundamental para acabar com as desconfianças mútuas no plano político-militar. Este tratado foi seguido de uma série de tratados bilaterais no período dos Presidentes Sarney e Alfonsín, que resultaram na criação do Mercosul.

Sem cooperação de verdade, os dois países continuaram relativamente dependentes de tecnologias estrangeiras de alto custo para a manutenção de suas usinas ou para a construção de novas usinas.
Na prática os programas nucleares da Argentina e do Brasil foram paralisados nos anos 1990 devido ao corte de verbas para a área militar, durante os governos neoliberais. Isto significou o fechamento ou atraso no desenvolvimento de uma série de tecnologias estratégicas de uso dual, como a nuclear e aeroespacial. Como parte deste processo, nos anos 1980 a 1990, a indústria de defesa dos dois países foi desmontada, o que colaborou para encerrar todo um ciclo de desenvolvimento tecnológico autônomo que os dois países vinham tentando desenvolver ao longo do século XX.

No auge do neoliberalismo dos anos 1990, muitos defenderam que o Brasil não precisaria mais ter forças armadas, pois o mundo pós-Guerra Fria seria pacífico e o país não teria inimigos. No maximo , diziam, o país deveria manter uma parte do exército, mas apenas para usar como força de polícia especial, de forma esporádica ou ocasional, como, por exemplo, para ocupar favelas no Rio de Janeiro. O resultado foi que muitos aceitaram este discurso e o país "desmontou" grande parte da sua capacidade defensiva, acreditando em um período de "paz e prosperidade" sob a hegemonia dos EUA.
O Brasil em tempos de pré-sal, a geopolítica do petróleo e o futuro da nação
Entretanto, o mundo mudou rapidamente, e o Brasil mais uma vez saiu perdendo. O Sistema Internacional tem se mostrado progressivamente instável, especialmente nas zonas petrolíferas, onde uma infinidade de conflitos armados, guerras civis ou guerras de ocupação proto-colonial, como no Iraque, mostram-se a regra, e não a excessão.


Ao contrário, com o esgotamento das reservas petrolíferas mais antigas e de mais fácil acesso - o fim do petróleo barato -, e o aumento da demanda energética dos países emergentes, a perspectiva da escassez petrolífera torna-se sobria para um futuro não tão distante, como 2020 ou 2030.
Afinal, quem pode garantir que em 2025, uma potência emergente qualquer, alegando razões de Segurança Energética ou de Segurança Nacional, resolva de uma hora para outra, que precisa das enormes reservas de petróleo do pré-sal brasileiro a qualquer custo? Basta projetar uma situação meramente hipotética, para imaginarmos o que significaria para o Brasil uma ameaça vinda de uma potência emergente.


Com certeza, em 2025, o Brasil será rico em petróleo, mas não temos como saber se terá capacidade de defesa contra uma ameaça de tal natureza. O grande problema é que não é possível prever o que acontecerá em 2020, 2025, ou 2030, quando qualquer uma das grandes potências mundiais de então, poderá ter capacidade militar para ameaçar o Brasil e pode querer se aventurar na tentativa de tomar nossas riquezas, como as grandes reservas de água, a Amazônia ou o petróleo do pré-sal.

Embora esse seja um cenário poco provável, sabemos que a Inglaterra foi à guerra para preservar o controle de uma reserva petrolífera em alto mar, no caso as Malvinas, cujo volume de petróleo não se sabe ao certo até hoje. O que isto poderá significar para os países do sulamericanos e africanos que têm reservas sabidamente gigantes de petróleo em alto?
A geopolítica do Pré-Sal e o futuro da integração sul-americana


O mesmo seria válido para a cooperação na fabricação de aeronaves, tripuladas ou não, ou de mísseis anti-navio, que seriam de valor absolutamente estratégico para os dois países. Isto ajudaria a integrar as indústrias de alta tecnologia dos dois países, fortalecendo ainda mais o processo de integração sul-americana.

Isto pode permitir ampliar também a integração da indústria naval destes países, assim como as cadeias produtivas ligadas ao fornecimento de bens e serviços ao setores petrolífero e energético, gerando ainda mais empregos na região.
Uma nova empresa petrolífera sul-americana poderia garantir que os equipamentos, navios e plataformas tivessem peças fabricadas em diferentes países da América do Sul. Também permitiria consolidar a liderança destes países na exploração e extração de petróleo em águas ultra-profundas, com foco no Atlântico Sul. Esta capacidade industrial-tecnológica daria grande vantagem competitiva ao conjunto desses países, mas também facilitaria a manutenção da soberania sobre as áreas petrolíferas localizadas em alto mar. Hoje a única empresa sul-americana competitiva neste ramo é a Petrobrás, que já está procurando áreas do tipo pré-sal no litoral africano.
Por enquanto é difícil saber se a camada de rochas do tipo pré-sal da região das Malvinas tem potencial petrolífero. Mas mesmo que não tenha petróleo no pré-sal, as reservas já encontradas na camada pós-sal parecem ser grandes o suficiente para interessar a um país como a Inglaterra, que já esgotou quase todo o seu próprio petróleo , extraído das outrora grandes reservas do Mar do Norte.

É pouco provável que a atual crise em torno das Malvinas resulte em uma nova guerra. Mas isto não significa que o Brasil pode descuidar do seu futuro. De uma forma ou de outra, o futuro do Brasil estará profundamente ligado ao futuro da América do Sul, assim como o futuro da Petrobrás está ligado ao desenvolvimento do pré-sal.


Lucas Kerr de Oliveira
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