Maus samaritanos: o mito do livre-comércio e a história secreta do capitalismo
Ha-Joon Chang
Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
Ha-Joon Chang
Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
O livro Maus Samaritanos é dividido em nove capítulos e um epílogo e apresenta uma abordagem crítica à teoria econômica heterodoxa. Ha-Joon desenvolve várias analogias ao longo do texto, tentando esclarecer suas críticas. Algumas delas são bastante interessantes, como a que faz em relação ao desenvolvimento de seu filho Jin-Gyu, que tinha seis anos quando da publicação original do livro em inglês, em 2006, e a proteção necessária à indústria nascente nos países em desenvolvimento. Ele diz que se a legislação permitisse, poderia mandar seu filho para o mercado de trabalho, mas com isso, ele estaria fadado a ter eternamente subempregos. Seria muito difícil conseguir se tornar um médico ou um físico nuclear, por exemplo. Para que isso fosse possível, ele teria que proteger e investir na educação de seu filho por no mínimo mais doze anos. O mesmo ocorre com a indústria nascente: se ela é exposta rapidamente ao livre-comércio, posição defendida pelos economistas neoliberais, muito provavelmente não irá conseguir sobreviver, porque, assim como seu filho, precisa de um tempo para conseguir trabalhar com tecnologias avançadas e construir organizações eficientes. O autor observa que é errado inserir o seu filho no mercado de trabalho com seis anos, expondo-o precocemente à concorrência, mas também é errado subsidiá-lo até os quarenta anos. Isso tem que ser feito somente até o momento em que ele consiga ter a capacitação necessária para obter um emprego satisfatório. O mesmo funciona em relação às empresas, que não podem ser subsidiadas e protegidas eternamente.
O que todos devem estar se perguntando é quem seriam os Maus Samaritanos e por que são assim chamados? Ha-Joon retirou a idéia do nome de seu livro de uma parábola da Bíblia, sobre um homem que foi roubado na estrada e recebeu ajuda de um "Bom Samaritano". Os Samaritanos eram vistos como pessoas que tentavam tirar vantagens dos indivíduos que tinham algum problema. No prefácio da versão em inglês do livro, o autor esclarece que chama de Maus Samaritanos os países ricos que indicam, hoje, políticas neoliberais como a defesa de livre mercado e livre comércio, para os países pobres, tentando evitar que eles sejam no futuro seus possíveis concorrentes. Demonstra que esses países ricos não fizeram no passado o que hoje recomendam, quando sua indústria ainda estava se desenvolvendo. Ele diz também que o que mais o intriga é saber que muitos desses Maus Samaritanos não percebem que estão fazendo recomendações ruins para as economias dos países pobres. Segundo ele, a história do sucesso do capitalismo foi reescrita tantas vezes, de tal forma que muitos economistas dos países ricos não conseguem mais perceber o erro de se recomendar livre comércio e livre mercado para os países em desenvolvimento. Como ele mesmo diz, alguns desses Maus Samaritanos têm uma crença honesta, porém equivocada, de que esta é a verdadeira receita de sucesso que seus países utilizaram no passado para se tornar ricos. Para sua surpresa, até mesmo seu país, a Coréia do Sul, faz essas recomendações para outros países.
As pessoas fazem várias afirmações em relação ao caminho percorrido para se chegar ao desenvolvimento econômico pelos países ricos atuais, mas quando fazemos uma análise mais apurada e verificamos dados históricos, percebemos que a história não ocorreu exatamente como é contada hoje. Um outro livro lançado recentemente no Brasil, por Ernesto Lozardo, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), intitulado Globalização: a certeza imprevisível das nações, assim como o livro de Ha-Joon, faz também uma análise da verdadeira trajetória percorrida por países como, por exemplo, a Coréia, para alcançar o desenvolvimento econômico.
Chang demonstra claramente, não somente neste livro, mas também em suas publicações anteriores, que todos os países considerados desenvolvidos protegeram de uma forma ou de outra sua indústria nascente, no início de seu processo de desenvolvimento econômico.
Também no prefácio do livro, Ha-Joon faz um instigante relato de sua vida pessoal e familiar, tentando demonstrar como era a vida das pessoas e a economia da Coréia do Sul na época em que nasceu, em 1963, quando seu país era tido como pobre, frisando as mudanças radicais que aconteceram, fazendo com que hoje seja considerado um dos países mais ricos do mundo. Nesse relato, o autor também afirma que apesar de atualmente a Coréia ser tida como uma das nações que mais promove inovações tecnológicas, até a metade dos anos 1980 era considerada uma das "capitais da pirataria" do mundo. Ha-Joon conta que boa parte dos livros estrangeiros que utilizou, estudando para entrar em Cambridge, eram pirateados, porque os livros legalmente importados eram vendidos por preços muito altos, mesmo para pessoas de família de classe alta e que dava prioridade para a educação, como a dele.
Os capítulos 1 e 2 do livro apresentam uma análise histórica sobre a evolução do capitalismo e a globalização. Os capítulos 3 a 9 abordam uma série de discussões em relação às recomendações feitas pela teoria econômica chamada de ortodoxa, tentando descobrir a "real verdade" sobre algumas afirmações tidas como "verdadeiras". Nessa parte do livro, ele discute, dentre outros assuntos, questões como a da regulamentação ou não de investimentos estrangeiros, se as empresas privadas são mesmo melhores do que as empresas públicas e a relação existente entre democracia, propriedade intelectual, corrupção e cultura e o processo de desenvolvimento econômico.
O objetivo principal do livro é achar argumentos e exemplos sobre o fato de que nem sempre as políticas atualmente recomendadas aos países em desenvolvimento, por parte dos países ricos e de organismos internacionais como o FMI (Fundo Monetário Internacional) ou o Banco Mundial, foram utilizadas da mesma forma por esses países, no passado, ou são viáveis para os países pobres nos dias de hoje. Discute também a importância do papel do estado no processo de desenvolvimento, criando incentivos para alguns setores considerados estratégicos na economia, regulamentando outros e utilizando políticas anti-cíclicas, contrárias às utilizadas pelos outros agentes econômicos. Como o próprio autor diz, os países ricos seguem políticas keynesianas, mas recomendam para os países pobres políticas monetaristas.
Cabe observar que Chang publicou a versão de seu livro em inglês em 2006, portanto, antes da última crise financeira global. Ainda assim, pode-se extrair de seu texto algumas observações e recomendações bastante interessantes, que poderiam ser levadas em conta pelos países no contexto atual. Dentre essas análises, podemos destacar a discussão que faz, comparando eficiência entre empresas públicas e privadas, onde afirma que grandes empresas privadas, que não são geridas por seus donos majoritários, porque têm sua propriedade acionária diluída entre vários acionistas, podem sofrer dos mesmos problemas que as empresas públicas, relacionados à questão do agente principal, existência de freeriders e problemas envolvendo restrições orçamentárias brandas, ou gestão relaxada do orçamento. No capítulo 5, afirma que empresas privadas grandes, consideradas politicamente importantes em função da área que atuam ou do número de trabalhadores que empregam, em casos de crise ou má gestão, acabam recebendo socorro do estado, mesmo em países geridos por governantes que defendem o livre mercado. Argumenta também que os neoliberais recomendam para os países pobres bancos centrais independentes, mas lembra que os funcionários desses bancos, tidos como tecnocratas não-partidários, na maioria das vezes dão muita atenção ao setor financeiro, implementando políticas a seu favor e contra a indústria e os trabalhadores assalariados. Por isso, é importante que os funcionários de um banco central possam ser supervisionados pelos políticos, visando defender interesses da nação como um todo e não de grupos específicos; a independência de um banco central impede isso. Além disso, lembra que os economistas ortodoxos recomendam a desregulamentação dos mercados, mas que as crises financeiras dos anos 1990 e início dos anos 2000 foram remediadas com regulamentações de bancos e de outras empresas do setor financeiro.
No epílogo do livro o autor ousa, criando uma estória de ficção, chamada pelo autor de "história do futuro", sobre uma empresa de nanotecnologia situada na cidade de São Paulo, em 2037, e sua luta para sobreviver num mundo globalizado, após a derrocada da economia chinesa em 2029, quando passou a fazer parte da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e liberalizou seu mercado de capitais. Apesar das ressalvas, em função de ser uma ficção, o autor tenta fazer um alerta para os governantes, de que as políticas nacionais e internacionais atuais precisam sofrer mudanças, para que possa ocorrer o desenvolvimento econômico dos países e a diminuição da pobreza e das disparidades distributivas.
Ha-Joon utiliza, ao longo de todo o seu texto, dados históricos e inúmeros exemplos de sucesso ou fracasso de empresas e países, explicando, de forma extremamente didática, uma série de conceitos da teoria econômica. Seu trabalho resultou num livro interessante e altamente recomendável para todos os leitores que se interessam pela área de desenvolvimento econômico e que realmente se preocupam com a diminuição da pobreza que assola o mundo atual.
Carmen Augusta Varela
Professora da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP)
Professora da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP)
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