24/03/2010
O Brasil como mediador da paz no Oriente Médio
Historicamente, o Oriente Médio significou uma das áreas de baixa prioridade da diplomacia brasileira, embora tenha experimentado momentos de forte aproximação dos anos 1970 até o início dos anos 1990. Entretanto, desde o fim da Guerra Fria, a política externa brasileira para o Oriente Médio havia sofrido um recuo, que foi alterado somente na virada do milênio, articulada com a construção de um novo modelo de inserção internacional.
Neste contexto, seguindo a concepção de política externa concebida em 2003, o presidente Lula visitou o Oriente Médio entre os dias 14 e 17 de março de 2010, realizando as inéditas visitas aos Estados de Israel, Jordânia e à Cisjordânia, esta controlada pela Autoridade Nacional Palestina (ANP). Tais eventos fazem parte das diretrizes do governo Lula de estreitamento das relações diplomáticas com países de todos os continentes, que se pode chamar de concepção universalista, bem como da tentativa de inserção autônoma e soberana no sistema internacional, destacando a presença do Brasil no equilíbrio de poder global – como potência média – e a construção de um mundo multipolar.
A principal motivação das visitas de Lula aos países do Oriente Médio reside na esfera política. A diplomacia brasileira tenta lançar o país como um mediador do conflito entre Israel e Palestina, promovendo um papel ativo na busca pela intensificação do diálogo de paz da região. Com isso, ganha visibilidade no cenário internacional, com a qual espera aumentar sua chance de disputar uma vaga de membro permanente no Conselho de Segurança da ONU. Assim, uma aproximação que ao longo da década se deu mais no plano econômico, com o estreitamento do intercâmbio com os países da região, adquire uma ênfase mais política, percebida desde as visitas feitas ao Brasil pelos presidentes de Israel, Irã e ANP em dezembro de 2009.
A viagem da comitiva de Lula, que agrupou ministros e empresários, esteve em Israel em momento conturbado, dada a declaração do Estado israelense de que implantaria 1,6 mil assentamentos judaicos em Jerusalém Oriental, território palestino. A declaração causou forte desaprovação da comunidade internacional, até mesmo do principal aliado histórico de Israel, os EUA. Tal conjuntura, por outro lado, deu respaldo ao presidente Lula, que, além de declarar ao presidente israelense, Shimon Peres, que o diálogo de paz tinha que ser reiniciado, condenou os assentamentos judaicos, vistos como um atravancamento ao processo de pacificação da região.
A primeira visita de um presidente brasileiro a Israel é fundamental para a manutenção de boas relações diplomáticas entre o Brasil e este país, o qual possui claros atritos com o Irã. Em uma de suas ações que demonstram a autonomia do Brasil em relação à posição dos países centrais, principalmente dos EUA, o governo Lula recebeu o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, em dezembro do ano passado, apoiando sua pesquisa nuclear para fins pacíficos e dando certo respaldo à sua controvertida eleição. A passagem de Lula por Israel, que passou pela visita ao Museu do Holocausto, mostra o desacordo do Brasil com as declarações de Ahmadinejad de que o genocídio judeu não ocorreu. Assim, apesar de o chanceler israelense não ter recebido a comitiva brasileira, a visita de Lula foi positiva para estreitar as relações entre os dois países. Israel tem a intenção de destinar US$ 1 bilhão para apoiar exportações e investimentos israelenses ao Brasil.
Seguindo para a Cisjordânia, o presidente Lula aumentou o teor de críticas às ações de Israel que prejudicam o entendimento com a Palestina. Em Ramallah, defendeu a necessidade urgente de se criar um Estado palestino independente. Além disso, criticou a ocupação israelense dos territórios palestinos, bem como o embargo imposto por Israel juntamente com os EUA, desde 2006, à Palestina. O presidente também se mostrou a favor da derrubada do muro israelense que perpassa Cisjordânia e Faixa de Gaza. Ainda, foi incentivado o diálogo entre as facções palestinas rivais, Fatah e Hamas, que respectivamente controlam Cisjordânia e Faixa de Gaza. Uma forma de ampliar o diálogo para a paz seria, justamente, ouvir as demandas de outras partes envolvidas na questão, como os dirigentes do Hamas – rotulado como grupo terrorista por Israel e EUA.
A última parada de Lula foi na Jordânia, onde o presidente analisou com rei Abdullah II meios para que as negociações pela paz sejam retomadas entre Israel e Palestina. Na ocasião da visita, o presidente brasileiro declarou que é necessário maior engajamento da ONU para a estabilização do Oriente Médio. Para Lula, a organização deveria se empenhar na pacificação da região, tanto quanto se engajou na criação do Estado de Israel. Nesse ínterim, levantou-se a bandeira da ampliação da representatividade dos órgãos das Nações Unidas, que seria o grande obstáculo para sua maior eficácia e capacidade política.
Ainda na Jordânia, houve reunião das delegações dos dois países para o estreitamento das relações econômicas, principalmente nos setores de energias renováveis, indústria, água e agricultura e cooperação bilateral. Por fim, o presidente Lula enviou o chanceler Celso Amorim à Síria para que levasse um convite ao presidente Bashar Assad para visitar o Brasil, pois percebe-se o grande papel que a Síria representa no processo de paz da Terra Santa.
A visita do presidente Lula ao Oriente Médio foi positiva, na medida em que o diálogo com os países envolvidos no conflito entre Israel e Palestina foi possível, sendo o Brasil bem aceito como possível mediador dos diálogos de paz. O respaldo dado à iniciativa brasileira pela Jordânia, país diretamente envolvido no conflito, dada sua posição fronteiriça com a Terra Santa, é de vital importância para o sucesso dessa nova empreitada da política externa brasileira. O Oriente Médio representa um dos pontos fracos da ONU, principalmente de seu Conselho de Segurança, na medida em que esta não conseguiu dar fim aos conflitos na região em mais de sessenta anos. O Brasil encontra uma margem de manobra para se lançar como uma grande player no novo cenário multipolar, defendendo a solução de conflitos internacionais em esferas multilaterais, mas somente se estas garantirem uma maior participação dos países em desenvolvimento.
O Brasil, com sua declarada e historicamente observada disposição para resolver conflitos pelo diálogo, pode representar um elemento novo para a pacificação da Terra Santa. De fato, conciliando uma relação amistosa e autônoma com todos os países envolvidos, o Brasil pode ter uma atuação destacada como mediador em uma região saturada pela violência e pelas tentativas de solução militar. Assim, a atuação brasileira no Oriente Médio está articulada com as diretrizes que o governo Lula delineou em 2003: expandir as relações diplomáticas pelo mundo, buscando novas formas de cooperação, de forma a reduzir as vulnerabilidades externas, e lutando pela ampliação do poder de influência brasileiro na política internacional.
André Luiz Reis da Silva é Professor Adjunto de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e Pesquisador do Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais – Nerint da mesma universidade, com apoio da FAPERGS e do CNPq. (reisdasilva@hotmail.com).
Bruna Kunrath é Graduanda de Relações Internacionais da da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e Bolsista de IC/CNPq do Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais – Nerint da mesma universidade. (brunakunrath@hotmail.com).
Bruna Kunrath é Graduanda de Relações Internacionais da da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e Bolsista de IC/CNPq do Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais – Nerint da mesma universidade. (brunakunrath@hotmail.com).
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